Eu cruzei o seu caminho

Eu cruzei o seu caminho. Você estava ali, deitado, frágil, desprotegido. O sol batia forte e parecia queimar-lhe a pele, mas isso não parecia incomodar. Você dormia, ou talvez estivesse apenas entorpecido. Se sentia fome, o torpor escondia, se ardia em febre, o torpor disfarçava. Ninguém olhava, ninguém percebia, você era invisível, mas eu vi. Eu vi… por que eu vi? Se eu vejo e nada faço é o mesmo que não ver, dá-me a culpa de viver, de sonhar, de achar que tudo está bem. Não está. Nada está bem. O papelão lhe acomoda como cama, e você dorme, dorme para esquecer a dor, a sujeira que lhe deixa invisível. A sua dor incomoda, a sua existência incomoda. Você não deveria existir, não deveria estar ali, atrapalhando meu caminho, incomodando a minha consciência. Você é capaz de me mostrar a verdade sobre essa sociedade. Mas por que eu vejo? Tantas pessoas escolhem não ver, é mais fácil, é muito mais fácil. Não é justo, eu vejo e nada faço e isso não me torna melhor do que aqueles que não veem. Sou igual, ou pior, e ainda sinto a dor de não sentir a sua dor.

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